Sobre mais um dezoito.


Ela respirou fundo e ficou olhando para a porta do outro lado do quarto. Tudo que ela queria era abri-la e dizer o que estava preso na garganta, que lhe tirava o ar e fazia com que respirar ficasse mais difícil. Ela tentou ignorar, mas seus nervos estavam à flor da pele com tudo que estava acontecendo em sua vida ultimamente: ela estava mais sensível, mais carente, chorando com mais facilidade por um café derramado na toalha da mesa. Antes que pudesse decidir, alguém bateu na outra porta.

Sobre sonhos e a vida.


Dim dom! A campainha tocou. Alice não esperava ninguém, não naquele dia em questão. Ela olhou em volta para ter certeza que todos que pertenciam àquela casa estavam ali e franziu o cenho ao constatar que sim.
- Dim dooooom - a pequena Sophia, sentada no chão, disse. - Dim dom, dim dom, dim dom.
- Ei, eu ouvi - Alice falou para que a menina parasse de repetir.
Sophia apenas fez uma careta e voltou a se concentrar em seu brinquedo. Alice secou as mãos no pano de prato, ajeitou os óculos no rosto e caminhou em direção à porta. Ela ficou surpresa ao ver quem estava do outro lado.

Heaven.


Rachel acordou lentamente. Ela esfregou os olhos e se perguntou por que a cortina estava aberta, deixando toda a claridade entrar. Então, sentindo cheiro de café, ela se lembrou da noite passada. E sorriu, porque havia sido perfeita demais.
- Bom dia, dorminhoca - Guilherme a saudou com uma bandeja nas mãos.

Bruna.


- Hey - Gustavo cumprimentou Letícia assim que entrou na UTI neonatal.
- Ei - ela respondeu menos animada.
A rotina de ambos se intercalava entre hospital e casa, cada um na sua. Então eles se viam basicamente quando estavam ali, cheios de preocupação e tensão. Já havia se passado mais de um mês desde o nascimento.
- Alguma novidade? - ele perguntou.

Dark angel.


Samantha andava pela rua lentamente, observando cada vitrine de loja. O mês era dezembro e ela se sentia maravilhada com a neve, era uma das suas coisas preferidas no mundo. O natal se aproximava mais a cada dia e ela lembrou que ainda havia alguns presentes para comprar, por isso o passeio. Katherine não demoraria a chegar, elas haviam combinado de se encontrar ali.
Enquanto esperava a amiga chegar, Samantha se sentou em um banco para poder apreciar as luzes de natal. Essa era a melhor época do ano, com seus pontos coloridos, a neve, a alegria das pessoas, as renas. Ela se parecia com uma criança sempre que dezembro chegava. Seu celular apitou informando uma mensagem: Katherine, por um milagre, se atrasaria um pouco dessa vez. Então Samantha apenas se recostou no banco - que por sorte não estava molhado ou gelado demais - e ficou observando a sua volta. Em alguma loja qualquer tocava uma canção de natal.

Hazel.


- Heeey, o que você está fazendo aí sozinha? - Thais se aproximou de Letícia. - Está todo mundo se divertindo e você aqui.
- Mexendo no celular.
- Como sempre. Vem, vamos pra lá.
- Não, Tha, eu quero ficar aqui hoje.
- Por quê? - Thais se sentou no chão, ao lado da amiga. - Aconteceu alguma coisa? Você quer ir embora? Está passando mal? Brigou com alguém?
- Wow, uma pergunta de cada vez. Sim, aconteceu, eu quero ir embora, eu não sei exatamente o que estou sentindo e não, não briguei com ninguém.

Hope.


Naquele momento Letícia já não sentia mais medo. Ele havia dado lugar ao desespero, e esse era muito mais difícil de lidar. Gustavo tentava segurar sua mão a todo momento, e ela se sentia um pouco mais segura com isso.
- Ei, para de chorar - ele falava baixinho, enquanto corria em direção ao hospital. - Vai dar tudo certo, nós faremos com que dê.
- 24 semanas, Gustavo. Ele é do tamanho da sua mão!
- Vamos pensar positivo, hã?
- Ele nem ao menos tem um nome!
- Talvez se você chamar ele de ela, pode ser um começo.
- Whatever. Um nome pode ser o que ela precisava pra ficar aqui dentro.
- Let, pensar positivo - ele disse enquanto estacionava.
- Gustavo - Letícia o chamou enquanto saía do carro. - Eu não sinto contrações.

Fear.


Letícia acordou incomodada naquela quarta-feira. Ela teve um pesadelo horrível e, ao olhar para o lado, constatou que Gustavo não estava ali. Ela queria apenas um abraço apertado e ele dizendo que tudo ficaria bem. O barulho da água caindo a fez perceber que Gustavo não havia ido embora.
- Já acordou? - ele perguntou quando ela entrou no banheiro.
- Tive um pesadelo.

Sobre palavras não ditas.


- Bueno? - ela atendeu rindo: ele ligara dessa vez, não ela.
- Eu sempre acho engraçado você atender o telefone assim.
- Não sei por que não se acostumou - ela ainda ria. - Tudo bom?
- Sim, e com você? Acredito que tudo ótimo.
- Sim - ela gargalhou. - Maravilhoso!

Just one wish.


Ela estava deitada na cama, dormindo serenamente. Gustavo a observava sempre que podia, apenas nesses momentos ela parecia com a Letícia que conheceu há tantos anos. Com a gravidez, os hormônios dela estavam cada dia piores e ele não tinha um momento de paz. Sua calma rotineira havia ido embora e dado lugar à agitação. Ele ainda tentava se acostumar com aquela nova pessoa de humor inconstante.
Não demorou muito para que Letícia acordasse. Agora, já nas suas vinte semanas, ela se sentia desconfortável o tempo todo. Não tivera enjoos, mas em compensação a azia, o mal estar, os gases, já a acompanhavam há algumas semanas. Ela não conseguia dormir muito tempo sem sentir dor na barriga, e não era nada relacionado ao bebê.

I will start living today


Ultimamente, na maior parte do tempo, Letícia ficava se olhando no espelho. Ela não queria perder nada, nenhum centímetro a mais na barriga ainda lisa. O pré- natal começaria naquele dia e ela estava ansiosa demais. Nos primeiros dias depois da descoberta, tudo que Letícia sentia era medo: medo do futuro, medo de começar a amar aquele ser dentro de si, medo de que Gustavo mudasse de opinião e saísse correndo. Porém, agora ela já se sentia animada, e o ser se tornará um bebê, o seu bebê.

Let it be.


Letícia se olhou no espelho inclinando a cabeça de um lado para o outro. Ela apertou o vestido de alcinha sobre o corpo e inclinou a cabeça novamente. Nada, ela agradeceu aquele lá de cima e soltou o vestido rodado. Talvez fosse algo da sua cabeça, tinha de ser. Ela respirou fundo e voltou ao banheiro.
Enquanto esperava os cinco minutos precisos, ela procurou algum aplicativo no celular que a distraísse. O tempo em si era curto, mas para aquele propósito era longo demais. Ela abriu um jogo antigo e tentou se focar nele. Mas na verdade, mentalmente, ela estava contando os 300 segundos.
Grávida, ela leu no palito e o jogou fora no mesmo instante.
Layout por Maryana Sales - Tecnologia Blogger