Sobre mais um dezoito.


Ela respirou fundo e ficou olhando para a porta do outro lado do quarto. Tudo que ela queria era abri-la e dizer o que estava preso na garganta, que lhe tirava o ar e fazia com que respirar ficasse mais difícil. Ela tentou ignorar, mas seus nervos estavam à flor da pele com tudo que estava acontecendo em sua vida ultimamente: ela estava mais sensível, mais carente, chorando com mais facilidade por um café derramado na toalha da mesa. Antes que pudesse decidir, alguém bateu na outra porta.
- Hey - Christian saudou assim que ela abriu a porta.
- Hey - Dulce o encarou franzindo a testa. - O que foi?
- Vim passar o tempo. Normalmente eu bateria no quarto da Mai, mas como ela não veio...
- Entra - Dulce deu passagem e ele o fez. - Você não costuma vir no meu quarto assim, eu quase sou sua última opção.
- Poncho e Ucker estão juntos na sauna, e Annie não atendeu meu chamado. E não fale assim, ruiva, nós somos muito unidos e você é quase minha primeira opção. É só que ultimamente você anda bem estranha.
- É, eu sei - ela suspirou. - Isso tudo está me afetando demais, e o ano acabando e...
- Caramba, hoje é dia dezoito, né?
- Uhum - ela fungou.
- Vou te deixar sozinha então. Você sempre fica deprimida demais nesse dia.
- E com quem você vai passar o tempo?
- Vou bater na Annie de novo, ela deve estar no banho.
- Você não fica chateado?
- Claro que não - Christian lhe deu um beijo no rosto. - Boa sorte com o restinho de dia que ainda falta.
- Obrigada - ela deu um pequeno sorriso e o observou ir até a porta.
- Os meninos voltaram - Christian já estava no corredor e Dulce podia escutar as vozes dos amigos. - Tchau - e ele fechou a porta.
Depois de vários minutos, confusa com seus próprios pensamentos, Dulce abriu a porta que ligava o seu quarto ao do lado. Às vezes ficar em quartos interligados era um saco, mas às vezes era bastante útil, principalmente se não queria ser vista pelos corredores do hotel.
O quarto estava vazio. Ela olhou em volta, tentando encontrar pistas de onde ele estaria, já que a luz do banheiro estava apagada. Ela viu a toalha, a sunga e o roupão sobre uma cadeira e franziu o cenho, não entendendo por que ele não estava ali. Então a porta do quarto abriu e ele entrou.
Alfonso não fez nada a não ser encará-la. As escapadas dela para o seu quarto se tornaram mais frequentes naquele fim de ano, mesmo que ele a mandasse embora incontáveis vezes.
- O que você está fazendo aqui?
- Não sei - Dulce admitiu. Agora, ela estava incerta sobre o que queria dizer.
Aquela seria a penúltima vez que dividiria o mesmo hotel com ele. Os mesmos compromissos, a mesma casa de shows, as 24 horas por dia desde muito tempo atrás. Ela fez um bico, franzindo o nariz, para então coçá-lo, e passou a mão na bochecha direita, como se limpasse uma lágrima, mas Alfonso não viu nada ali. O peso de penúltima viagem estava nas costas de Dulce como se ela carregasse o mundo. Na semana seguinte eles iriam para Madri e fim. Era assim que terminaria aquela jornada? Os pensamentos passavam pela cabeça dela como um trem-bala, ela mal conseguia raciocinar. Então, com dois passos, ela acabou com a distância entre os eles e o beijou, como se o amanhã não existisse e tudo que eles tinham era o agora. Alfonso correspondeu à altura, sem pensar em nada, apenas naquela mulher tão pequena e tão forte a sua frente.
Foi tudo rápido demais. Talvez fosse uma despedida, talvez não. Eles não sabiam ao certo o que iria acontecer a partir dali, mas também não importava, contanto que estivessem juntos naquele momento.
- Três palavras - ela disse vários minutos depois, com as costas nuas encostadas no corpo dele.
- Duas - ele respondeu, fazendo carinhos no pescoço dela.
- Como vai ser amanhã? Ou daqui uma semana, ou até quando o ano que vem começar?
- Eu não faço nem ideia, pequena.
- Feliz dezoito de dezembro - ela falou num sussurro, saboreando o apelido na voz dele.
- Feliz dezoito de dezembro - ele disse e deu um beijo na cabeça dela.

Dulce olhava para o celular, ainda repassando na sua cabeça o dia dezoito, há exatos seis anos atrás. Sua vida mudara tanto desde então que ela nem acreditava que era a mesma pessoa. Tudo aquilo, e todos os dezoitos, pareciam ter acontecido em outra dimensão.
- Alô? Alô? Tem alguém aí? - ele atendeu o telefone e ela se deu conta que havia discado.
- Oi.
- Estava demorando. Achei que esse ano você ia deixar pra lá.
- Faz doze anos desde aquele primeiro dezoito. Eu não deixaria pra lá.
- Verdade - ele tinha um sorriso nos lábios, ainda que ela não pudesse ver. - E então?
- Queria você aqui - ela soltou, sem delongas.
- Eu não posso. E nem você.
- Estava pensando na gente, seis anos atrás - Dulce mudou de assunto.
- Seis anos? A gente tava viajando?
- Uhum, Sérvia.
- Penúltimo show, né? Eu lembro. Mas por que esse dia?
- Foi o último que passamos juntos para então mudar tudo.
- Nós não estávamos juntos há bastante tempo.
- Sim, mas nós tínhamos uma convivência que depois não tivemos mais. Nós nos fechávamos em um mundo nosso e fazíamos as coisas do nosso jeito.
- Algo assim - ele riu de leve.
E então o silêncio permaneceu. Fazia tanto tempo que não eram os mesmos, que a vida de cada um não era a mesma, que eles se tornaram meros colegas que certa vez trabalharam juntos. Por mais que se conhecessem até no mais íntimo de cada um, a falta de convivência foi fazendo com que se afastassem, e assim os silêncios eram cada vez mais frequentes. Dulce sempre se perguntava para quê ligar, já que nunca conversavam direito, mas apenas ouvir a voz de Alfonso já bastava. Mesmo que ele a afastasse, como ele sempre fazia.
- Feliz dezoito de dezembro - ela disse.
- Pra você também. E boas festas.
- O mesmo.
O silêncio outra vez. Ela se perguntou se dizia aquelas palavras que eram tão deles, aquelas que indicavam o passado cheio de histórias, ou um futuro de incertezas, mas aquilo também não parecia certo. Por fim ela achou melhor se despedir e desligar logo.
- Até qualquer dia, Poncho.
- Até qualquer dia, ardilla.

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