Let it be.


Letícia se olhou no espelho inclinando a cabeça de um lado para o outro. Ela apertou o vestido de alcinha sobre o corpo e inclinou a cabeça novamente. Nada, ela agradeceu aquele lá de cima e soltou o vestido rodado. Talvez fosse algo da sua cabeça, tinha de ser. Ela respirou fundo e voltou ao banheiro.
Enquanto esperava os cinco minutos precisos, ela procurou algum aplicativo no celular que a distraísse. O tempo em si era curto, mas para aquele propósito era longo demais. Ela abriu um jogo antigo e tentou se focar nele. Mas na verdade, mentalmente, ela estava contando os 300 segundos.
Grávida, ela leu no palito e o jogou fora no mesmo instante.
Como se fosse obra do destino, a campainha tocou. Letícia respirou fundo mais uma vez e foi atender a porta. Ela já sabia quem era.
- Oi - Gustavo passou o braço pela cintura dela e a beijou com vontade.
- Oi - ela disse quando se soltou do beijo.
Letícia se perguntou qual era o sentido daquilo enquanto Gustavo colocava as sacolas que tinha na mão na cozinha. Eles estavam nesse rolo há quantos anos? Oito? Algo assim, ela não estava com cabeça para pensar em datas.
Os dois tinha combinado de assistir um filme preto e branco qualquer. Era um costume que haviam adquirido há tanto tempo, que hoje ambos podiam dizer que gostavam de filmes tão antigos, o que não acontecia no início. Eles estavam sentados no sofá, comendo pipoca e tomando um suco estranho que Gustavo fez.
- Que dia você viaja? - Gustavo perguntou de repente.
- Sexta de manhã - Letícia respondeu.
- Você fica quantos dias lá?
- Não sei, minha mãe disse que tem mil coisas para a gente fazer. Acho que uma semana.
- Hm... - Gustavo ficou fazendo círculos com o dedo na perna de Letícia que estava sobre a sua.
- Você vai ficar aqui comigo até eu viajar?
- Você quer que eu fique?
- Você sabe que sim - ela esfregou os pés na perna dele.
- Okay - e eles terminaram de assistir o filme.
Era uma noite calma e abafada. Letícia pensava na praia enquanto lavava a louça na cozinha. Talvez amanhã fosse um bom dia para tomar um sol e se refrescar. Não demorou para que Gustavo aparecesse com uma cara emburrada.
- O que foi? - ela perguntou.
- Pipoca no meu dente.
- Tem fio dental lá no banheiro.
- Eu já tirei.
- Então por que essa cara?
Gustavo a encarou, sério. Letícia tentou acompanhar a linha de pensamento. Pipoca, dente, fio dental, lixo. Teste de gravidez no lixo. Testes, no plural, porque ela passara a tarde inteira fazendo todas as marcas possíveis que encontrara na farmácia.
- Ah - ela disse quando entendeu. - Entendi.
- E então?
- O quê?
Gustavo riu. O quê? Ela perguntou o quê?
- É verdade?
- Acho que sim - Letícia fez uma careta. - Foram mais de cinco e todos deram positivo. É, é verdade.
- Como... como aconteceu?
- Eu acho que você sabe como isso acontece - ela deu uma risada. - Eu não preciso explicar.
- Não é isso. Por que aconteceu?
- Eu fiquei doente mês passado, lembra? Acho que os remédios que tomei cortaram o efeito da pílula.
- Puta que pariu, Letícia - Gustavo colocou a mão na cabeça. 
- Não me xinga - seu tom de voz abaixou consideravelmente. - Eu... - ela mordeu o lábio e sacudiu a cabeça, tentando afugentar aquela mistura de sentimentos que estavam vindo à tona.
- A gente nem tem um relacionamento sólido.
- Eu sei.
- Você... você quer casar? - ele fora criado com antiguidade, gravidez não planejada vinha seguida de um casamento às pressas na sua concepção.
- Não! - ela respondeu surpresa. Realmente ela não queria, não assim. Queria que os dois estabilizassem primeiro, assumissem um namoro, assumissem que se amavam. E então o casamento viria como consequência desse amor.
- E agora?
- Eu não sei - ela virou de costas para ele. Talvez se não o visse fosse mais fácil conter as lágrimas que escapavam aos poucos. Ela limpou o rosto depressa.
- Dá pra ver?
- O quê?
- A barriga.
- Não - ela riu de leve com a pergunta estúpida. Devia estar por volta de sete semanas.
- Você é tão pequena.
- Eu sei - ela disse irritada. Às vezes quando usavam isso como argumento para alguma fragilidade dela, Letícia se sentia assim.
- Ei, calma - Gustavo se aproximou e a abraçou. - Fica calma, a gente vai dar um jeito - ele passava a mão pelas costas dela e percebeu que ela tremia.
- Eu estou com medo - Letícia admitiu bem baixinho.
- Eu também - Gustavo confessou, arrancando um sorriso dela em meio às lágrimas que ela já não conseguia segurar. - Mas a gente vai dar um jeito.
- Como? Que jeito?
- Não sei, mas não pensa nisso agora. Pensa que apesar do meio, isso é algo bom.
- Uhum.
- Lembra dos tantos planos que você fazia quando essa hora chegasse? - ele foi caminhando até a sala. - Você sempre disse que preferia menino, com um olho...
- Da cor do meu e um da cor do seu - ela completou, já no sofá.
- E com o meu cabelo.
- Uhum - Letícia se aconchegou a ele. - Vai dar certo, não vai?
- Claro que vai. Eu vou estar aqui o tempo todo.

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