Happiness feels a lot like Sorrow



- Eu acho que não posso com isso.
Ela se lembrou da última frase que dissera a ele, na noite anterior. Enquanto assistia algum programa de tv, ou simplesmente a deixava ligada, Lucy mexia no dedo da mão esquerda. Ali, horas antes, havia um anel de noivado. Agora, só o costume de carregá-lo. Toda sua vida, tudo o que havia planejado, havia se esvaído, ela possuía apenas a incerteza do futuro. O telefone tocou, mas ela não teve coragem de atendê-lo, deixou que caísse na secretária e esperou.
- Lucy, você está aí? Acabei de ficar sabendo, você está bem? Me liga, por favor. Eu estou preocupada com você.
Era Ashley, sua melhor amiga e maid of honor. A notícia sobre o fim do casamento não agradaria a ninguém. Principalmente seu pai, que já havia arcado com a maioria das contas. Ela esperava que as lojas e tudo mais, pudessem reembolsá-lo.

- Lucy, eu sei que você está aí, dá pra atender o telefone? - era Ashley outra vez. - Consegui falar...
- Oi - com um esforço sobre-humano, ela atendeu. - Eu não quero conversar agora, Ash.
- Mas você está bem?
- É claro que não. Acabei de romper meu noivado, tem certeza que está me perguntando isso?
- É uma pergunta retórica, só para me certificar de que você não vai se suicidar ou algo assim - Lucy riu amargamente. - Você quer que eu vá aí?
- Não, Ash, quero ficar um pouco sozinha.
- Pode me contar por que fez isso?
- Ainda não tenho certeza - ela tinha, apenas não conseguia admitir que não possuía mais controle da própria vida. - É só que... - Lucy fechou os olhos, respirando calmamente para fazer com que as lágrimas não caíssem. Um flash passou pela cabeça dela bem rápido: o dia em que o apresentara ao pai.
- Lucy? - Ashley chamou, temerosa.
- Ash, amanhã a gente se fala, pode ser? Eu não quero ter de pensar nisso hoje.
- Vai pensar quando?
- Amanhã - ela suspirou. - Eu só quero dormir hoje.
- Me liga se precisar de algo.
Lucy estava exausta. Por sorte inventara uma doença e conseguira faltar no trabalho, ainda bem que o amanhã era um sábado e ela estaria em casa. Só queria ter de desligar sua mente, nem que fosse por poucas horas. Ela colocou a tv na MTV, deitou no sofá - ainda não conseguia ficar no quarto por mais que dois minutos -, se cobriu com uma manta e fechou os olhos. O dia seguinte talvez fosse mais promissor.


- Eu estou apaixonada por você, sabia? - ele assentiu com a cabeça. - Eu nem acredito que vamos realmente fazer isso - ela admirava o brilhante em sua mão esquerda.
- Eu te amo, Lucy, por que não faríamos? - ela riu, nervosa.
- Ele é lindo! E enorme! Ashley vai morrer de inveja quando ver - foi a vez de ele rir, mulheres são sempre iguais. - Quando?
- Quando você quiser.
- Só o tempo de arrumar tudo, acho que não é tão difícil.
- Você vai precisar de uma boa madrinha. E da sua mãe. Talvez a minha queira ajudar também - Lucy franziu a sobrancelha, mas ele não viu. - Minha irmã com certeza vai querer.
- Acha que Ash consegue? É claro que ela vai ser minha maid of honor. Eu quero começar a pensar em tudo, mas eu não consigo parar de olhar para esse anel. Ainda parece um pouco surreal.
- Mas não é. Ele está aí, no seu dedo. E eu aqui, ao seu lado - ela sorriu, deixando de olhar para o anel um pouco para encará-lo.
- Eu te amo, Ian.


Ela acordou com a campainha tocando. Demorou bastante para perceber o que era, se deliciava pelas lembranças revividas no sonho. E eram simplesmente deliciosas. Mas a campainha voltou a soar estridente e ela não pode delongar. Assim que abriu a porta, desejou não tê-lo feito. Ela não queria nada que o lembrasse, pelo menos até que estivesse recuperada e pudesse ao menos conversar normalmente. Mas, pelo visto, Max não se importava com isso.
- Oi - ele disse secamente.
- Oi - ela voltou para o sofá e mudou o canal da tv que ficara ligada. - O que você faz aqui?
- Vim pegar algumas coisas para ele, se não se importa.
- Go ahead.
Ela continuou no sofá enquanto ouvia Max entrar no quarto ou no banheiro. Fora tudo tão repentino, mas ela que saíra na noite anterior, e quando voltara ele não estava mais lá. Ela se perguntou em qual hotel ele estaria, se havia contado tudo a Max, se estava triste como ela. Ele era sempre tão pacífico, tão altruísta. Ela que se estressara, ela que ficara nervosa e, no fim, deprimida. Ele não expressara muita coisa, além de ter se explicado. Mas como Lucy disse, talvez ela não conseguisse lidar com isso.
- Então quer dizer que vocês terminaram - ela se assustou com a voz de Max tão perto.
- Se foi o que ele te disse - Lucy respondeu, sem vida alguma na voz.
- Você vai terminar o noivado assim, Lucy? Seu casamento é daqui um mês! - ela respirou fundo e olhou para ele. Seria possível Ian não ter dito nada sobre o motivo?
- O mais difícil será reembolsar papai, ele vai ficar uma fera comigo.
- Você está pensando só no dinheiro que o seu pai gastou?
- Que não foi pouco, caso não se lembre. Max, pergunte ao seu amigo o que aconteceu, depois nós conversamos sobre isso.
- Ele está no Washington Square...
- Tão perto assim? - ela arregalou os olhos, ele estava como seu vizinho, praticamente.
- Você queria que ele atravessasse a cidade ontem a noite? - ela deu de ombros. - Liga pra ele, Lucy, resolvam isso.
- Max, isso aí já é problema meu - ele deu de ombros. - Pegou tudo que ele vai precisar? Ou você vai ficar vindo aqui toda hora?
- Acho que peguei - Max suspirou. - A gente se vê, Lucy - e saiu do apartamento.
Ela realmente precisava resolver as coisas. Metade daquele apartamento era dele, e agora, depois de um bom tempo morando juntos, não seria fácil separar tudo. Seria como um divórcio mesmo, só que sem ter o casamento antes. Lucy voltou a deitar no sofá e fechou os olhos. Ela só queria poder voltar no tempo e consertar as coisas. Ou talvez nem isso adiantasse já que ela mesma não podia consertar nada.
- Ele é maravilhoso, filha! - Lucy sorriu. - Vê se não estraga com tudo dessa vez.
- Mãe! Não sou eu que estrago os meus relacionamentos.
- É quem então? Papai Noel?
- Você está sendo bem irônica - Lucy observou o namorado ajudar o pai com o churrasco.
- Foi você quem estragou tudo com David.
- Não. Nós terminamos porque não dava mais certo. Com Alex pode ser que a culpa foi minha. Mas veja bem, nós terminamos porque eu me interessei por Ian.
- É, entre Alex e Ian, talvez eu fique com esse aí. Ele é tão educado!
- Ele é alemão, mãe.
- Você arranjou um namorado alemão?! Seus filhos serão tão lindos!
- Mãe, eu só estou namorando com ele! - Julie revirou os olhos. - Não comece a pensar em casamento e filhos.
- É você mesma quem pensa nisso, filha.
- Ei! Vocês vão comer ou não? - o pai de Lucy gritou.
Ela abriu os olhos ao perceber que caíra no sono outra vez, e franziu o cenho ao perceber que acordara pelo barulho de algo caindo no chão. Ela estava sozinha, teria o vento derrubado um objeto? Lucy olhou em volta e sentiu cheiro de bacon e ovos fritos, então o plin! da torradeira. Definitivamente havia alguém em seu apartamento, e pelo visto nada de ladrões.
- Finalmente a bela adormecida acordou! - ela olhou para trás e viu Ashley. - Percebi que você não come faz tempo, sua cozinha estava impecável, então resolvi preparar um café da manhã.
- Não quero comer, obrigada - Lucy se sentou.
- Você é o contrário de qualquer mulher que eu conheça - Ashley voltou a preparar as coisas. - Qualquer mulher comum, e que se preze, come tudo o que vê pela frente quando termina com um homem ou quando se sente abandonada. É por isso que você é tão magra.
- Não tem a nada a ver com magreza, eu sempre fui assim - Lucy olhou para o próprio corpo. - Eu estou com Ian há anos, antes dele não tive tempo de lamentar o fim com Alex e...
- Ok, eu já entendi - Lucy fez um muxoxo. - Mas você vai comer de qualquer jeito.
- São quantas horas? - ela procurou um relógio em seu pulso, mas nem ao menos tinha costume de usar.
- Onze. Veio alguém aqui hoje?
- Por que pergunta?
- Seu quarto parece um pouco revirado - Ashley estava temerosa ao falar - e somente na parte dele.
- Max veio - Lucy se espreguiçou. - Ele veio pegar algumas coisas para Ian - era doloroso dizer o nome dele em voz alta, mas ela se obrigava a fazê-lo, não queria temer nada.
- Você sabe onde ele está?
- Washington Square - ela se levantou e foi sentar à mesa. - Eu esperava que ele ficasse do outro lado da cidade, mas não foi bem o que aconteceu.
- Você quer conversar sobre?
- Não agora. Vou comer, tomar um banho e quem sabe depois? Quero tirar o clima de luto de mim, aí sim posso pensar com clareza e resolver o que fazer. Você vai ficar aqui?
- Uhum - e as duas começaram a comer juntas.
Eram quase três da tarde quando Lucy e Ashley foram almoçar. Não que aquilo pudesse ser chamado de almoço, já que pediram uma super pizza. Então Lucy contou como tudo aconteceu. Como ela descobriu que Ian era casado na Alemanha, como ela contou para ele, como, em um impulso, ela pensou que não conseguisse lidar com a situação, como rompera o noivado, como agora ela via com clareza. Ashley estava de boca aberta quando a amiga terminou de contar toda a história, já no começo da noite.
- Sério que ele é casado? - Lucy assentiu. - Estou em choque, Lucy.
- Agora acho que não estou mais. Eu só preciso conversar com ele e...
- E o quê? Vocês reatarem e casarem daqui algumas semanas? Ele já é casado, caso esse fato tenha fugido da sua mente.
- Ash, calma. Ele foi casado. Lá. Na Alemanha. Nós estamos nos Estados Unidos agora. E pelo que eu sei, a tal da noiva ficou lá.
- Mas você não sabe de nada!
- Por isso eu quero conversar com ele. Nós estamos juntos há tanto tempo, vamos casar daqui dias, praticamente. Eu tenho que ter certeza de todos os fatos antes de acabar com isso ou de seguir em frente.
- Depois não diga que eu não avisei.
- Ash, eu tenho que fazer isso. E se eu seguir em frente, eu terei minhas razões, e eu sei que você vai entender.
- Amigas são pra isso, né? - Ashley sorriu. - E madrinhas também.
- Por falar em madrinha, não cancele os chás, só depois que eu tiver cert... - ela parou ao ouvir o clique da porta e ambas olharam para trás.
Ele estava cheio de olheiras. E com a barba por fazer. Lindo. E cheiroso. Com os olhos vermelhos e uma leve fragrância de bebida, mas nada que pudesse fazê-la querê-lo longe. Ele as encarou, tornando seus olhos mais azuis do que nunca.
- Acho que eu vou então - Ashley se levantou e calçou as sapatilhas. - Qualquer coisa me liga, Lucy - ela esperou a amiga assentir e saiu, sem dizer nada a ele.
Ele não quis invadir o espaço dela, mesmo que a casa fosse sua também. Ele era o errado, de qualquer forma, só podia se desculpar e explicar. Cabia a ela decidir o futuro dos dois, a mais ninguém. Ele esperou, até que ela desse a deixa para ele entrar.
- Achei que esperaria eu ligar - ela disse, baixinho.
- Max esqueceu de cuecas - ele deu de ombros e um passo a frente. - Você está bem? - ela assentiu com a cabeça.
- E você? - ele fez uma careta e deu mais um passo. - Entra, a casa também é sua - então ele se aproximou e sentou numa poltrona, sem dividir o sofá com ela.
Ambos ficaram em silêncio, se encarando. Ela queria sorrir, só por tê-lo ali, tão perto. Provavelmente que a ira fosse apenas por ele ter escondido o casamento, ela sabia que iria perdoar de qualquer forma. Era um fato, já não vivia sem ele. Então fechou os olhos, e os imaginou, daí uns anos, a família completa, uma criança tentando correr a sua volta, e uma lágrima escorreu por seu rosto.
- O que eu faço para elas não caírem? - ele havia se aproximado e limpado a gota solitária. Instintivamente ela se afastou. Não queria que sua decisão fosse influenciada por qualquer gesto dele. - Eu te amo, Lucy.
- Eu sei - ela sorriu e assentiu com a cabeça. - Mas é que tudo me pegou de surpresa e eu fiquei assustada e eu não sabia o que fazer e...
- Respira - ele sorriu, calmo. - Eu sei que devia ter contado a verdade desde o início, mas eu realmente não esperava que isso viesse à tona.
- Você ia me esconder isso pra sempre? - ela se sentiu ofendida.
- Não. Eu ia resolver sem precisar te contar que demorou mais do que eu mesmo esperava.
- Por que você não fez isso antes?
- Eu não consegui - ele respirou fundo. - Eu queria vir para cá logo, ela não queria me dar o divórcio, isso ia estender mais a minha estadia lá... Então vim embora com a esperança de que o tempo a fizesse entender que não dava mais. Só que eu simplesmente me esque...
- Ninguém se esquece que é casado.
- Não, não esquece - ele a encarou profundamente. - A nossa vida estava se ajeitando tão bem que eu não pensei que isso fosse mudar alguma coisa - ela riu, amargurada. - A partir do momento que eu pedi a sua mão, eu comecei a... dar um jeito. Mas eu não consigo encontrá-la, simplesmente isso.
- Como não consegue?
- Ela mora do outro lado do oceano, Lucy. Eu sei que se mudou, que ninguém que eu conheça tem qualquer contato com ela. Mas é difícil para qualquer um lá procurar saber onde ela está por mim. As pessoas tem suas vidas, elas não podem passar o dia procurando a esposa desaparecida de um amigo.
Aquela simples palavra, aquele título daquela mulher que ela já desgostava sem ao menos conhecer, foi como um soco na boca do estômago. E ela sentiu aquele gosto azedo na garganta, mas engoliu antes que fosse vergonhoso demais. Ela pensou, calada, no que fazer. Ela o amava, o amava muito! Não podia acabar com tudo assim, ela não resistiria a isso.
- Duas semanas.
- O que tem duas semanas? - ele perguntou depois de alguns minutos de silêncio.
- A partir de amanhã você tem duas semanas para encontrá-la e consertar tudo. Eu não posso me casar com um homem que já é casado, Ian.
- Eu sei. Mas o que eu vou fazer, como...
- Eu não sei e não me importo. Você se vira! Contrata um detetive, vai até lá... Não sei! Mas resolva isso! Eu sei que o divórcio não vai sair tão rápido assim, mas se você tiver a certeza de tudo... Nós podemos continuar com isso sem adiar.
- Você tem certeza? - ela assentiu com a cabeça e olhou para baixo. Talvez fosse uma loucura, mas valia a pena arriscar, ela precisava tentar tudo.
- Eu te amo. E esse sentimento é muito forte para eu ignorá-lo.
Ele sorriu, então a tomou nos braços e a beijou. Ela era tão pequena, tão frágil e forte ao mesmo tempo, tão determinada! Era impossível não amá-la, aquela criaturinha tão pequena e doce.

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