Quando o passado se transforma em futuro.


O tempo revela todas as respostas dentro de cada um.

- Oi - ela se virou para a voz que a cumprimentara.
- Oi, Daniel - e ele sorriu, saboreando seu nome na voz dela.
Ele a observou mais atentamente, absorvendo cada detalhe do rosto delicado.
- Você sempre faz isso quando nos vemos - ela desviou o olhar dele. - Como se quisesse gravar na sua mente como estou para os próximos meses, ou até anos, que ficaremos sem nos ver.
- Para não esquecer como você é.
- Hum - ela não gostou de saber que poderia ser esquecida.

- Como você está? Realmente faz muito tempo que não nos vemos.
- Estou bem - ela sorriu, admirando a criança que estava nos brinquedos do parque.
- Ela é a sua cara - ele acompanhou o olhar dela. - Com exceção...
- Dos cabelos - ela o interrompeu. - É o que todos dizem - ele assentiu com a cabeça, tentando não pensar no comentário bobo que fizera. - O seu também é a sua cara, com exceção dos olhos. Mas isso você também já sabe.
Ela não quis admitir que gostara do fato de o filho dele não ter puxado aqueles olhos meio verdes, meio dourados. Era uma característica de Daniel, uma que por anos ela conseguira enxergar através dela. Não queria que alguém mais fosse assim também. Mesmo que fosse o filho dele. Talvez o motivo fosse justamente esse, principalmente por ele ser filho de outra, que não ela.
- E então, como estamos?
- Você já perguntou isso - ela franziu o cenho.
- Tem uma diferença na pergunta, Ana.
- Tem mesmo - ela riu, de leve. - Você quer saber exatamente o quê?
- Como está tudo - ele deu de ombros. - Eu fiquei sabendo... - ele deixou que a frase morresse. Ela sabia exatamente sobre o que ele falava.
- Muito bem, por incrível que pareça - Ana Luísa suspirou. - Ela já está grande o suficiente para entender, não tive grandes problemas quanto a isso.
- Mas e você?
- Estou... aliviada. Essa é a palavra certa. Quando você não ama mais uma pessoa, não dá pra forçar o sentimento.
- Uhum... - ele sabia que ela queria explicar, então apenas a incitou.
- Talvez tenha começado depois que ela nasceu, talvez depois disso... Mas foi morrendo aos poucos, sabe? Eu ainda o amo, mas... Não dava mais. Eu olhava para ela - Ana Luísa indicou a filha com a cabeça -, para a vida que eu levava, e pensava no futuro, depois no passado... Estou te confundindo, não é? - ela olhou para ele rapidamente.
- Talvez um pouco, mas não ligue para isso.
- Eu o amei, e sei que ele também me amou. Mas...
- Eu entendi, Ana.
- E você? - ela não queria abrir seu coração demais, então passou a bola para ele. - Tem um ano que não estão mais juntos?
- Algo assim - ele deu de ombros outra vez.
- Sorte a sua que não casou realmente. Os papéis dão uma trabalheira sem fim. O que foi? - ela perguntou quando ele ficou em silêncio por muito tempo.
- Nada - ele tentou fingir que realmente não era nada. Sorte que ela era péssima tanto para contar mentiras quanto para descobri-las. Ele não queria dizer que havia ido à igreja naquele dia. Que tentou falar com ela, mas chegara atrasado e ao vê-la passando pela nave, não aguentaria ficar ali para ver o restante, então acabou indo embora. - Como sua mãe está lidando com isso?
- Nada feliz - Ana bufou. - Mamãe é católica demais, você a conhece.
- Mais que você? - ele zombou e ela fez língua, o relembrando da menina que fora um dia. - Apesar das rugas no canto dos olhos, você não mudou nada.
- Claro que mudei - Ana Luísa resmungou. - Já se passaram 20 anos, sabia?
- Por falar nisso, você sabe que dia é hoje? - ela virou o rosto. - É, você sabe.
- Durante esse vinte anos, eu sempre lembrei, não importava o que eu estivesse fazendo.
- Talvez seja nosso carma.
- Talvez - ela sorriu. - Você está sozinho?
- Aham. Minha caminhada matinal, eu faço aqui - ela reparou nos trajes dele, pela primeira vez.
- E nunca nos encontramos? Eu costumo trazê-la para brincar, é bastante calmo para uma criança de cinco anos.
- Talvez nossos horários nunca sejam iguais - ele deu de ombros.
- Pode ser.
- Ana, você... Você quer tomar um café? Eu moro aqui perto.
- Não adianta o que aconteça, você sempre volta para esse bairro - um flash de memórias passou ela cabeça dela rapidamente. - Eu não sei se devo, Daniel.
- É só um café. O que pode haver de mal nisso? E eu sei que você adora.
Ana Luísa olhava dele para a filha, pensando se aquela era realmente uma boa ideia. Ela fechou os olhos por breves segundos e decidiu que sim. Ainda tinha tempo de se arriscar um pouco e Daniel... Ele era aquele passado gosto, do qual ela nunca se esquecera, que ela sempre desejara que fosse um futuro bom também.
- Duda! - ela gritou a filha que descia por um escorregador. - Vem!
A menina veio saltitante, cambaleando um pouco com os declives da grama. Mesmo Daniel não tendo visto Ana Luísa nessa idade, sabia que a filha tinha os mesmos trejeitos. E era uma graça.
- Esse é o Daniel, mas acho que você não vai lembrar dele - ela pegou a menina no colo, a encaixando perfeitamente em seus braços e quadril.
- Oi - a menina arriscou, tímida.
- Oi - e ele abriu um sorriso enorme, mostrando a falha que tinha nos dentes da frente. A menina logo abriu um sorriso tão grande quanto o dele. - Ela sabe?
- Do nosso passado? - Daniel assentiu. - Não, talvez te reconheça por alguma foto antiga ou algum vídeo.
- Ele tem o cabelo igual ao papai - Maria Eduarda observou. - E eu já falei isso antes. Mamãe, de onde eu o conheço? - Daniel ficou paralisado ao notar a boa dicção e vocabulário da menina que tinha apenas cinco anos.
- Ele trabalhou comigo, meu amor - Ana Luísa sorriu. - Você já viu algumas coisas lá em casa onde ele aparece.
- Verdade - ela sorriu novamente. - Oi, Daniel.
- Ela é uma princesa - Ana Luísa só pode sorrir, orgulhosa. - Duda, posso te chamar assim? - ela assentiu. - O que acha de passar na minha casa e lanchar? Eu não moro longe daqui.
- Eu... - ela olhou para a mãe primeiro que concordou. - Você tem cereal? Eu gosto de comer cereal.
- Tenho sim - eles começaram a andar em direção à saída do parque. - Você como muito cereal.
- Depende do sabor. E da cor - ela deu uma risadinha, lembrando que sua mãe a chamava de fresca por isso.
Enquanto Maria Eduarda e Daniel conversavam sobre comida, Ana Luísa pensou naquele encontro, naquele lugar, nas circunstâncias. Talvez o futuro ainda tivesse algo reservado para ela. Para eles. E ela sorriu, pensando na possibilidade.

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