Made of Paper

Talvez ela não tivesse a mínima ideia do que estava realmente fazendo. Era como se saísse fora do corpo e ele agisse sozinho, sem alguém para comandá-lo.
Aquele dia era especial, aniversário de seu irmão, e estavam todos ali para festejar. Mesmo que poucos, eram suficiente. Ela sorriu, para aquele que compartilhava o mesmo sangue, o mesmo olhar, as mesmas sardas.
- Feliz aniversário - ela o abraçou.
- Obrigado, mana - ele lhe beijou o rosto.
Os dois se encararam por alguns instantes, sorrindo, mas logo um amigo se aproximou para conversar com o aniversariante e ela se afastou.
Era um jantar, preparado com muito carinho, na casa da namorada dele. Estava tudo muito farto, e a verdade é que todos morriam de fome. Não demorou para que o primeiro pegasse um prato e se servisse para então todos imitá-lo. Alguns sentaram no sofá, outros na mesa. Ela apenas continuou parada, recostada à geladeira.
- Você não vai comer? - a cunhada perguntou, se sentindo ofendida. - Está tudo maravilhoso, você tem que comer!
Então ela não teve muita opção, a não ser pegar um prato, um garfo, e se servir. Realmente estava tudo muito gostoso, mas ela já se sentia cheia com apenas quatro garfadas. Ela brincou com o prato, comeu mais uma vez, deu uma mordida na carne, mastigou-a na boca por muito tempo, outra garfada, e então ela simplesmente não conseguia mais. Elogiou e jogou o resto fora.
Ninguém sabia, ninguém suspeitava. Ela era tão alegre, tão divertida. O que desencadeara o vício? Ela chamava assim. Dizia que era viciada, era o mais próximo que conseguia de admitir. Ela estava doente, essa era a verdade. E era fraca, vulnerável demais, para sair dessa. Ou até mesmo pedir ajuda. Talvez ela gostasse, estivesse acostumada com a vida assim.
- O que você está fazendo? - ela notou o tom de voz usado na pergunta. Havia alguma coisa errada. Então olhou para a própria mão. Mal se dera conta do que fazia, já era algo quase automático. - Você ficou doida? - uma amiga segurava sua mão direita e tirou a faca da outra mão, jogando-a longe. - O que aconteceu?
- Eu nem vi o que estava fazendo - ela sacudiu a cabeça um pouco, como se saísse de um transe.
- Você está sangrando, vem aqui - a amiga a levou até a pia do banheiro. Na cozinha seria nojento demais. - Não está muito fundo - ela disse ao lavar. - Mas preste mais atenção! - naquele momento as cicatrizes pareciam queimar em sua pele, alguma escondidas, outras nem tanto.
- Eu estava brincando, não percebi que realmente me cortara.
- Está na hora de suspender seu álcool - a amiga riu, enquanto apertava papel higiênico na mão dela. - Acho que podemos fazer um curativo rápido - ela procurou algo pelos armários. Então achou algodão. - Não tem nada para prendê-lo, então fique com a mão fechada, segurando o algodão - ela colocou um chumaço em cima do corte. - Acho que isso vai resolver, em casa você dá um jeito se estiver feio demais - ambas olharam para a mão dela. - Vem, vamos - a amiga apagou a luz do banheiro e a puxou para de volta à festa.
Quando a noite terminou, ela voltou sozinha para casa. Era óbvio que o irmão comemoraria aquele finalzinho com a namorada. Então, assim que fechou a porta, ela correu para o banheiro. Estivera se sentindo pesada, doente, mal desde que jantara. E gorda. Devia ter engordado uns cinco quilos só ali, e ela devia se livrar disso, ou amanhã eles se transformariam em dez e só iria piorar cada vez mais.
Ela hesitou, frente ao vaso sanitário, com a escova de dentes na mão. Ela sempre hesitava, ou ao menos tentava hesitar. Assim poderia pensar melhor, desviar seus pensamentos para outra coisa. Mas ela nunca conseguia, eram raras as vezes que sim. Então, depois de pensar nos dez quilos de amanhã, ela colocou o cabo da escova na garganta. O jato quente subiu, mas ela conseguiu engoli-lo de volta. Era melhor, mas naquele momento ela não pensava assim. Então forçou a escova mais uma vez e o líquido veio, quente e azedo. Uma única vez foi o suficiente, ela sentia seu estômago vazio agora. Como deveria ser. Sempre. Então deu descarga, se levantou, escovou os dentes e foi para o quarto, a fim de ter uma bela noite de sono.

2 comentários

  1. Inspirado na Demi? Super triste...

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  2. não completamente. a tag não aparece, e por fim eu não coloquei o ps, acabei desistindo. enfim, RDDV também, mas de um ponto de vista diferente. como ela não admitia realmente, eu não consegui escrever em primeira pessoa.

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